A pesca à pluma, para além das particularidades já referidas, tem um detalhe de extrema importância que é a hora da eclosão! Isto é, quando começa o frenesim dos insectos para eclodirem que fazem com que as trutas entrem em autêntica actividade: chegou a hora delas para papar… Com efeito, em Março, a melhor hora para pescar é quando o Sol está a pique, entre as 12 e as 15 horas. Quando nos aproximamos do Verão as melhores horas são efectivamente ao amanhecer e ao entardecer.
Aventura:
Tínhamos combinado no dia anterior a hora de partida para o Rio Poio, em Ribeira de Pena. Assim, de madrugada, passei por casa do meu bom amigo e companheiro de pesca, “Quim Ribães”, o Sol ainda não se tinha levantado, mas tudo previa um belíssimo dia de Verão. Com um largo sorriso arrancamos com tudo a preceito, muito embora madrugador e ainda sob o efeito do néctar do Deus Baco da noite precedente. Mas nem esse efeito nem a noite mal dormida nos demovia do nosso ânimo para tal aventura. O sorriso estava sempre presente, bem como a fé de capturar um deslumbrante exemplar.
Após uma breve paragem para tomar um café chegamos ao local bem cedo, o Sol acabara de nascer. Estava relativamente fresco. Vestimo-nos para a ocasião, de fato, botas e colete, pegamos nas respectivas canas e pusemos os pés ao caminho. Entramos por um caminho cabreiro junto ao rio, que logo terminou junto a uns “esfregões”, umas grandes rochas que cercam este rio naquela zona, conforme se verifica nas fotografias. Questionando-nos se deveríamos voltar e começar pelo trajecto de um outro caminho mais acima, junto ao monte, resolvemos continuar bem pertinho das nossas amiguinhas sarapintadas. Nada nos demovia naquela manhã, pois a fé era tanta…
Bom, a coisa complicou-se inesperadamente. Escorreguei no primeiro penedo e caí numa zona de corrente de água violentíssima. Comecei de imediato a lutar contra aquela corrente, nadando, a respiração parava por breves momentos, enquanto a água gélida entrava em contacto com meu peito e, aos poucos, enchia o fato de pesca. Estava aterrorizado e consciente do perigo que causaria a água a entrar no fato de pesca, um peso adicional como se de chumbo se tratasse. É como um saco plástico cheio de água e fechado, vai “de prego ao fundo”. O meu amigo, Quim Ribães, preocupadíssimo, decidido em retirar-me da água, desceu com bravura aquele penedo colocando-se também em perigo. Esticou uma perna e gritou para que me agarrasse à bota que trazia calçada. Lutando contra aquela corpulenta corrente de água, após umas boas tentativas frustradas, lá consegui agarrar-me com firmeza na bota deste meu grande amigo, fazendo com que este breve e especial momento ficasse bem gravado na minha mais sagrada memória. Com alguma peripécia conseguimos subir o penedo até uma zona de relativa segurança. Estava branco, esquálido, encharcado da cabeça aos pés, tremia por tudo quanto era lado. O Quim, imediatamente e sem questionar, tirou-me o colete e ajudou-me a tirar a roupa e o fato. Fiquei como Deus me trouxe ao mundo. O Sol, que já se via ao longe, contribuía para que aos poucos me fosse aquecendo. Naturalmente, começamos por torcer as meias e assim sucessivamente à medida que vestia aquela roupa mais para o molhado que húmido. O momento estava nostálgico, o Quim já se estava a preparar para voltarmos para o carro quando eu lhe disse que o dia ainda agora tinha começado. De imediato olhamo-nos bem nos olhos e demos uma grande gargalhada…
Por norma os sítios quase inacessíveis são os menos pescados e as trutas têm mais tempo para crescer sem serem capturadas…
Após uma boa jornada naquela difícil zona chegamos a um sítio que nos permitiu começar a pescar. Logo ao primeiro lançamento uma truta de grande calibre fez com que rebentasse a linha de pesca. Mudamos de imediato para uma linha mais potente! A coisa prometia mesmo…
O Quim, um pouco mais à frente, pesca uma truta de considerável dimensão. O episódio da queda na água dissipou-se imediatamente. O meu frio também. A expedição tinha agora começado com a excitação daqueles dois momentos de pesca efectiva. Não me lembro de pescar sucessivamente senhoras trutas e, note-se, autóctones! O contentamento foi tanto que nem notamos as horas passarem, nem tão-pouco a barriga dera sinal. Quando chegamos à vila já eram 16 horas. Da forma como estava vestido mais parecia um “cowboy” acabadinho de chegar do “Far West”. O sorriso nos lábios era mútuo. Chegamos a um restaurante, indicado por um taxista que nos recomendou quando o questionamos para o efeito. Após uma consulta no menu, unanimemente pedimos cabrito assado no forno. Era Domingo, dia de cabrito como na minha terra. A menina que nos serviu era bastante simpática e conversadora, ocasionou que lhe consultasse a sina. Disse-lhe que iria conhecer, muito breve, um belo rapaz e que muito provavelmente a levaria ao altar… bom, o meu amigo Quim, que é um pândego, interagiu brilhantemente fazendo com que aquele momento se passasse de forma divertida, na boa companhia do néctar do Deus Baco e daquela belíssima rapariga que espero que tenha encontrado o seu promitente noivo, pois segundo ela afirmara, o último tinha-a deixado plantada no altar…
Despedimo-nos e, pouco depois de termos saído do restaurante, apanhamos uma boleia de um rapaz que, curiosamente, também era pescador de trutas e partilhou connosco algumas das suas aventuras (mentiras de pescador) enquanto aquela viagem durou, pois o carro estava a uns bons quilómetros de distância.
Chegamos a casa já era noite…